quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Marco Zero

Skyline-New-York-City

25 de março de 2009. Às 14 horas, consultório do Dr. John Cole, no terceiro andar do Hospital Geral do Queens. Com certeza não é o melhor oncologista que há em Nova York, mas provavelmente o melhor que se poderia obter com o plano de saúde oferecido pela prefeitura aos seus policiais.

Jim Anderson, policial, 45 anos de serviço pela cidade de Nova York, sente-se completamente impotente. Sentado diante da TV sintonizada em um canal de notícias, uma edição da New Yorker da semana passada e uma enfermeira que, completamente alheia à sua desesperadora situação, calmamente lixa as unhas em pleno balcão de atendimento, ele pensa que de nada lhe adianta agora todo o seu treinamento levado a cabo por anos na academia policial, sua experiência no trato com criminosos no dia-a-dia das ruas. Pensa dessa forma porque não há o que possa fazer, apenas esperar. Esperar pelo próprio Dr. Cole, que agora adentra a sala, com o resultado do exame que fizera outro dia em mãos. O resultado não foi outro diferente do esperado: Jim Anderson estava com câncer.

A moléstia que agora que lhe afligia era decorrência provável da exposição a elementos tóxicos decorrentes da queima dos mais diversos materiais, tais como ferro, plástico, concreto, entre outros, além de substâncias reconhecidamente nocivas, como o amianto. Essa exposição decorreu do fato heróico que marcara sua vida até então, seu maior motivo de orgulho: o trabalho na busca de sobreviventes no Marco Zero, após a queda do World Trade Center.

Lembra até hoje do fatídico dia em que todo o contingente policial que havia na cidade fora deslocado até o local da tragédia, na esperança de encontrar ali respostas para aquilo do qual, atônitos, foram meros espectadores. Lembra com exatidão do momento em que, cercado de concreto esfacelado e metal retorcido, pouco podia ver à sua frente. Podia apenas ouvir. E das vozes aflitas ressonantes que surgiam por entre os escombros, o policial Anderson tirava suas forças para seguir buscando, escavando, à procura de vidas, como se a sua própria dependesse disso.

Mal sabia ele que o fato que mais marcara sua vida até então lhe deixaria uma última e indelével marca: o câncer fatal, que lhe consumiria em brevíssimo tempo. Restava-lhe muito pouco tempo para aproveitar a vida e fazer tudo aquilo que não fizera até então.

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27 de julho de 2002. Carlos Hernandez irrompe a sala em direção à cozinha, onde se encontravam seus pais, Pablo e Cristina, e seu irmão mais novo, Juan, para dar-lhes a notícia que acabara de receber. Tinha em mãos uma carta enviada pelo Exército dos Estados Unidos, convocando-o a servir à pátria, na busca pelos terroristas responsáveis pelos atentados de 11/09.

Apesar do que os nomes possam levar a crer, Carlos e Juan são cidadãos norte-americanos, nascidos na cidade de Nova York, onde moram até hoje, no Bronx, ao norte da cidade. Já seus pais, também cidadãos norte-americanos, só que, para os olhos de parte da sociedade, de segunda classe. Eles vieram há alguns anos de Porto Rico, pra tentar sucesso na terra das oportunidades que lhe demonstrava ser a América. Muito jovens e recém-casados quando aportaram na cidade, à sombra da estátua da liberdade, jamais conseguiram a tão almejada ascensão social que esperavam obter.

Pois a notícia trazida por Carlos à sua família causou um certo estarrecimento. Seus pais estavam atônitos ante tal fato: seu filho mais velho, de apenas 19 anos recém completados havia sido convocado para lutar pelos Estados Unidos da América no Afeganistão, em busca dos terroristas responsáveis pelo atentado às Torres Gêmeas e à sede do Pentágono, além daquele avião que caiu sobre a Pensilvânia, pouco mais de um ano antes. Sabe-se lá o que poderia lhe esperar por lá. As histórias que ouviam, ou as matérias que viam passar na TV davam conta de coisas horríveis que poderiam acontecer aos soldados, como atentados com homens-bomba, sequestros etc.

Mas para Juan, do alto de seus catorze anos, nada disso era importante, pois tudo era menor ante a possibilidade de se defender a nação, de se propagar pelo mundo afora o modelo de liberdade norte-americana, com direitos iguais para todos, livre expressão de pensamento, entre outras conquistas do mundo livre ocidental. Levar aos países regidos por regimes despóticos e anti-democráticos o modelo de sociedade justa e igualitária que são, em seu modo de ver as coisas, os Estados Unidos. E justamente o seu irmão, seu melhor amigo, seria para ele o herói responsável por capitanear essa incursão pelo mundo árabe, que tal qual o Capitão América, lavaria com sangue a honra da América.

Enquanto isso, na TV, o presidente George W. Bush discursava à nação, afirmando que tomaria todas as precauções possíveis no iminente ataque ao Iraque, além da busca aos terroristas no Afeganistão, e atuaria com os aliados “lado a lado”, para evitar que nações mal-intencionadas possam causar distúrbio à paz mundial.

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25 de outubro de 1995. No quarto 507 da maternidade de um luxuoso hospital ao sul de Manhattan nascia Yussef Abdalaziz. Filho de um casal de egípcios, que moravam em Nova York há apenas um ano e meio, por conta da empresa em que o seu pai, Hamzah, trabalhava, uma companhia petrolífera com sede em Londres, mas escritórios em diversas cidades ao redor do mundo.

Para essa família a América de fato se descortinava como uma terra de grandes oportunidades. Há alguns anos o casal já havia deixado o Egito para trabalhar em Londres, onde eles conseguiram obter um padrão de vida muito mais elevado do que jamais tiveram enquanto estavam no Cairo. Mas em nada se compara ao que viviam nos EUA. Havia sido promovido a um cargo de destaque dentro da companhia e mandado simplesmente para um dos maiores escritórios fora da Inglaterra, justamente na 5ª Avenida, no coração de Manhattan, quiçá do mundo.

Imaginavam um mundo de possibilidades para seu filho, que acabara de nascer: estudaria na Columbia University, pelo desejo da mãe, pois assim ficaria mais perto de casa. Por isso mesmo, nem se interessava muito pela carreira que seguiria. Já o pai imaginava o filho cursando direito em Harvard, ou talvez Yale. Seria mais distante, mas isso não é nada quando tudo se resumiria a poucas horas dentro de um carro, ou de um avião, dependendo de onde fosse. O pequeno Yussef sequer poderia imaginar o mundo que lhe esperava fora daquele quarto, mas seus pais já imaginavam, e faziam planos, a respeito da vida próspera que teria.

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A história que começou logo acima gira em torno de três pessoas que de um modo ou de outro tiveram suas vidas afetadas pelo atentado de 11 de setembro. Porquê o 11 de setembro, algo tão distante das nossas realidades – pelo menos da minha – eu não sei. Mas se Chico Buarque escreveu Budapeste sem nunca ter pisado lá, acho que eu posso tentar também.

Essa é a minha primeira experiência literária verdadeira. Não pretendo escrever um livro ou coisa parecida, mas pela primeira vez neste blog criar uma história que não se resuma, ou se prenda, às poucas páginas de um post, mas se perpetue por vários outros. Por isso conto com a ajuda de vocês, leitores, para dar um rumo a essa história; se está boa, ruim, se acaba no próximo post ou não acaba tão cedo, espero contar com vocês para decidir. Para isso, espero ter a opinião de vocês aqui no blog, ou no orkut e twitter. Abraços.

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