sexta-feira, 24 de abril de 2009

Populismo Judicial

stfTomou o noticiário a recente briga envolvendo dois ministros do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país: Joaquim Barbosa e o presidente da casa Gilmar Mendes. O bate-boca teve origem durante uma sessão do STF que julgava recurso de embargos de declaração interpostos pelo governo do Paraná contra decisão  de 2006 do próprio Tribunal Superior que declarou inconstitucional uma lei daquele estado, que cuidava do sistema previdenciário, e que segundo a qual os funcionários de cartórios privados estariam incluídos nesses sistema.

Depois passaram a tratar de uma lei de 2002, também declarada inconstitucional pelo STF, e que cuidava do foro pivilegiado a ex-autoridades. Determinados cargos políticos têm o que se chama de foro por prerrogativa de função, erroneamente chamado pela imprensa de foro privilegiado. Isso porque o foro dito privilegiado (no caso, o foro é um tribunal, e não a justiça de primeiro grau. Em algumas situações esse foro pode ser o próprio STF) se dá por conta da função que a pessoa exerce – por isso, por prerrogativa de função.

A ideia da lei (10.628/2002), de forma bem didática, era manter o foro por prerrogativa de função a todos que de alguma forma já tinham exercido cargo ou função que possui essa característica, pelo menos até que o processo instaurado chegasse ao fim.

Em ambos os casos os ministros divergiram a respeito de uma possível retroatividade das decisões que declararam inconstitucionais as referidas leis: já sabemos que a lei é inconstitucional, a discussão está em saber desde quando. Para o ministro Joaquim Barbosa, a primeira deveria ser ida como inconstitucional desde o início, em 1999, enquanto a segunda deveria ser pensado com muita cautela a respeito de uma retroatividade sem qualquer restrição, pois com isso, muitos processos envolvendo ex-políticos que hoje estão no STF, ou em outros tribunais superiores, deveriam ser submetidos aos juizes de 1ª instância, alongando-os ainda mais; muitos deles teriam que recomeçar do zero. Até faz um certo sentido, uma vez que as decisões do STF são, antes de tudo, políticas. Ainda mais nessas questões que envolvem leis inconstitucionais; há de se atentar ao fato de que a simples retirada da lei pode ter consequências nefastas a uma grande parcela da sociedade.

Foi aí que armou-se o ringue e começou o bate-boca entre as excelências, com ofensas de caráter mais pessoal do que qualquer outra coisa (aquela hora em que o min. Joaquim Barbosa fala nos capangas do min. Gilmar Mendes foi demais), e os ministros expuseram seus sentimentos ao vivo para toda a nação – através da TV Justiça, que possui uma enorme audiência, é claro – onde só não valia xingar a mãe e puxar o cabelo – isso era mais por conta da impossibilidade capilar de ambos.

O Gilmar Mendes realmente já tomou algumas decisões de cunho jurídico muito duvidoso – basta lembrar o caso Daniel Dantas e os seguidos habeas corpus no plantão judiciário, ou ainda aquela questão das algemas –, além dessa mania que ele tem de sempre expor seus pensamentos antes de sequer ver o processo e analisá-lo. Isso não é muito legal, ainda mais para um presidente do STF. Tem ainda o pensamento corrente de que, no poder – afinal ele é o presidente do STF –, o Gilmar Mendes tenha ficado um pouco soberbo. Sabe aquela frase de parachoque de caminhão, que diz “não sou dono do mundo, mas sou filho do dono”? Pois é.

Talvez, tomado por essas questões, o Barbosa tenha se enervado e dito tudo aquilo (o Gilmar Mendes estaria destruindo a credibilidade da Justiça e tal). Mas o STF, nesse sentido peca pelo excesso de transparência – ou pelo menos, pelo excesso em tentar ser transparente. Isso porque talvez deva ser a única Corte Suprema, em todo o mundo, que televisiona suas sessões, transmitindo-as ao vivo. Por mais que ninguém perca muito seu tempo vendo TV Justiça – bem, eu até perco – a verdade é que isso é suficiente para que no segundo seguinte a discussão já esteja no youtube, nos sites de notícia e na TV.

O Barbosa já havia se notabilizado por ter sido o primeiro cidadão brasileiro negro a se tornar ministro do Supremo, e também pelo julgamento do mensalão, em que era o relator. Com isso, o povo pode, mesmo que apenas um pouquinho, identificar-se com a Suprema Corte. E agora, retorna, simplesmente por ter dito algumas coisas que muitos dos queriam ter dito, mas não tiveram a oportunidade. Afinal, não é todo mundo que pode dizer isso ao filho do dono.

Não sei ao certo quem tem a razão nessa contenda, afinal, não parei pra ver o caso com detalhes, mas, independente disso, alinho-me, a priori, com o Barbosa. Não se trata de populismo político, como teria dito o Gilmar Mendes, mas apenas de responsabilidade com suas decisões. Mesmo que fosse voto vencido, Barbosa deixou seu recado.

Tinha cá pra mim que não ia me ater a assuntos jurídicos nesse blog, mas não dá pra fugir. De vez em quando não faz mal a ninguém…

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Purgatório da Beleza e do Caos (principalmente)

cesar-maia-e-sergio-cabral

O partido do antigo alcaide do município do Rio de Janeiro retorna agora à baila com propagandas em que tenta desmoralizar o atual governador, mostrando, em contrapartida, algum grande feito de seu governo. Desmoralizar o atual governo nem é tão difícil assim, mas conseguir enaltecer os feitos de Cesar Maia, isso sim é tarefa quase hercúlea.

Cá deste lado do blog somos todos de Niterói, mas nem por isso deixamos de nos importar com o que se passa do outro lado da ponte – falo principalmente por mim, que já há alguns anos vivo nesse vai-e-vem da ponte Rio-Niterói e, portanto, costumo ver bem de perto as mazelas da cidade maravilhosa.

As propagandas em questão, veiculadas pelo DEM, mostram que o atual governador gasta mais tempo viajando do que efetivamente cuidando de seu ofício, apontando este fato como exemplos de notícias que o cidadão não quer ver. De fato, isso até é bem verdade, mas, por outro lado, a notícia que é mostrada como bom exemplo também não é exatamente aquele tipo que enche o eleitor de orgulho.

Vamos aos fatos: o partido de Cesar Maia alega que este quando prefeito soube bem administrar a cidade, ao deixar R$ 1,3 bilhão ao seu sucessor na prefeitura – esta, aliás, é a única “boa” notícia que eles conseguem apontar na administração do ex-prefeito.

Acontece que a prefeitura do Rio, assim como qualquer ente da federação – municipal, estadual e federal –, é obrigada a elaborar leis que preveem a arrecadação tributária e a geração de receita para o Estado e as despesas, os gastos nas mais diversas áreas (educação, saúde, manutenção do patrimônio público etc, etc). Tais leis (plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual), de forma bem simplista, compõem o que se chama de Orçamento Público.

Apesar de entender-se que este mesmo orçamento é regido por princípios como o da não afetação da receita, segundo o qual o não pode haver vinculação de receita de impostos (apenas estes, com ressalvas, que não cabem aqui explicar) a órgão, fundo ou despesa, tem-se que o orçamento funciona como um direcionamento para o Poder Executivo. Quanto, mais ou menos, se irá arrecadar, e em que se deverá gastar.

Não obstante não haja vinculação direta entre receita e despesa previstas nas leis orçamentárias, quando um prefeito, ao término de seu mandato, gaba-se de ter mantido em caixa mais de um bilhão de reais, algo de muito errado está acontecendo, eis que havia um orçamento, no qual previa-se um destino p’ra toda a arrecadação municipal.

É fato público e notório que a cidade do Rio de Janeiro esteve abandonada durante todo esse último período em que Cesar Maia esteve à frente, com expansão da favelização, buracos em todas as ruas, falta de conservação do patrimônio público, invasão de camelôs etc. Basta dar uma pequena volta pela cidade pra conferir isso, da zona norte à zona sul. Não estou aqui defendendo o atual governo – muito pelo contrário, tanto em esfera estadual quanto municipal o Rio vai mal – mas a verdade é que querer ressurgir agora como o panteão da moral e dos bons costumes é um pouco demais. Enquanto Cesar guardava o dinheiro que deveria ser aplicado na cidade e escrevia em seu ex-blog – olha a concorrência –, a cidade se tornava o purgatório do caos apenas – ao contrário do que a música possa indicar –, em que todos nós cidadãos somos obrigados a expiar nossos pecados diariamente.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Quem te viu, quem te vê…

lula south park

Dizem que uma pessoa alcançou de fato uma posição de destaque na cultura pop norteamericana, e consequentemente mundial, quando sua imagem é retratada daquele jeito amarelado e esquisito em um episódio dos Simpsons. Quando o artista ou personalidade política consegue ser retratado daquela forma é porque se encontra naquele momento no ápice da notoriedade.

O Ronaldo é exemplo disso, pois no auge da euforia em torno do time do Real Madrid, quando este contava com diversos jogadores de renome, tidos como galácticos – um fracasso retumbante em matéria de títulos – ele ganhou os contornos característicos dos personagens de Springfield em um episódio em que a Lisa aprendia a jogar futebol. A nossa própria pátria mãe gentil já foi retratada também, em um episódio em que toda a família vinha ao Rio de Janeiro a título de férias – é engraçado como uma família média norteamericana, típica do middle america, aquele centrão do país onde não apenas os estados são quadrados, consiga viajar tanto ao redor do mundo. É verdade que esse episódio não fez tanto sucesso assim por aqui, principalmente entre a classe política – nem tanto entre o público em geral, já que é sabido que esse desenho tem por característica exatamente fazer troça da desgraça alheia, e da própria também (principalmente!), e por isso que é tão bom.

Não, não estou maluco. Não dei essa volta pra falar dos Simpsons, ou da última participação especial em um de seus episódios – a despeito do que a imagem acima possa parecer –, mas justamente do último episódio de South Park, exibido ontem à noite nos EUA. Desenho muito mais ácido que Os Simpsons, mas que também costuma retratar, a seu jeito esquisito, diversas personalidades contemporâneas e históricas. E de certo modo, mesmo que ali os personagens sejam, em geral, muito mais execrados do que ocorre nos Simpsons, ser transformado em um desses personagens cabeçudos, que só andam de lado, também significa reconhecimento no mainstream.

Pois esse último episódio teve justamente como personagem, como se pode ver pela figura acima, o presidente Lula, em uma história que envolvia, além da morte do Kenny (óbvio!), uma invasão alienígena ao planeta Terra, o que resultou na cooperação de diversos líderes mundiais, de modo a se evitar uma catástrofe.

Lula, na verdade, divide a cena com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro-ministo britânico Gordon Brown, entre outros. Daí que faz-nos pensar: o que significa tal aparição? Estaria Lula agora obtendo finalmente a táo desejada alcunha de líder mundial, junto aos já citados, além de Barack Obama, Evo Morales (ops) etc?

Analisemos os fatos recentes: primeiro o presidente norteamericano vira e, em uma linguagem típica do gueto, nem um pouco comum na Casa Branca e adjacências, diz que Lula “is my man”, é o cara, nas prosaicas traduções adotadas pelos periódicos brasileiros. Depois, o cara do Obama bota a maior banca nas reuniões do G-20 e tal – achei até que por pouco não o convidaram pra fazer parte da OTAN também, como se isso fosse possível –, e por fim, ainda diz que agora, o Brasil se tornará credor do FMI. O que será isso tudo, afinal?

É tanta informação, que acho que o Brasil precisará agora passar por uma temporada na análise, pois acho que o povo não se reconhece mais. Quer dizer, pensando bem, lá fora o Brasil está melhor do que nunca, em termos de projeção internacional; praticamente um tigre asiático, ou melhor, uma onça sul-americana. Mas e cá nestas bandas, como andamos? Isso de fato representa uma mudança de paradigma na sociedade brasileira – em termos de geração de empregos, avanços sociais, melhorias na educação e saúde, fim da má-versação de verbas públicas parlamentares etc, etc –, ou será que, assim como a crise, é só mais uma marolinha?

Um dia no Jardim

 

olhando flor

Um olhar, apenas um olhar. E tudo começou nesse olhar. Junto a ele veio aquele sorriso, aquele mão tremulando quando o corpo aparentava estar quieto. Vieram também os longos cabelos e seu jeito diferente de balançar quando o vento é tímido. Mas o olhar ficou, ficou apenas o olhar.

E o coração já não é mais o mesmo. Pois junto a ele existe aquele olhar. Do outro lado ele está, do outro lado ele insiste. E o coração já não é mais o mesmo.

As árvores já não estão, o lago já não está, a rua também, apenas aquele olhar. E o coração já não é mais o mesmo.

Só o que resta é o olhar. Só o que resta é o coração. E nada mais já não é mais o mesmo.

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Este foi um ensaio fotográfico de um amigo no lindo Jardim Botânico, na cidade do Rio de Janeiro. Felipe dos Santos já é leitor e amigo do Ponto e Vírgula e fez esse resumo. Além da foto que ilustra este post, vale a pena dar uma olhada no ensaio realizado no Jardim (http://www.flickr.com/librafoto).

“Olá! É um prazer estar aqui no Ponto e Vírgula comentando. Vou falar hoje sobre um ensaio fotográfico que fiz no Jardim Botânico, que batizei de ‘Um dia no Jardim’.

Há um tempo venho fotografando regiões do Rio de Janeiro, situações e pessoas (estas fotos também estão no meu flickr). No entanto, neste ensaio do Jardim Botânico realmente quis fazer algo separado, explorando muito o local. Fui fotografar com minha amiga Viviane Roux, que no final acabou virando modelo também (rs). O dia favorecia bastante a situação, pois num dia de sol as cores saem muito mais vivas. O lugar é tão bonito que você nem sabe por onde começa fotografando, a possibilidade de pegar detalhes de quase tudo lá é muito grande. Quis criar um clima meio ‘fim de tarde’, algo bem tranquilo, e algumas fotos que fiz da Viviane com o meu violão acho que passaram um pouco disso. Tenho outros projetos de fotografar no Parque Lage e um ensaio só sobre Igrejas no RJ, mas agora tem faltado bastante tempo para me dedicar à fotografia.

Bom, tentei resumir um pouco do que o meu ensaio se propunha, espero que vocês gostem das fotos. É isso galera..Valeu!”

andar

Valeu Felipe.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Viva a sabedoria da fauna brasileira!

lourobravo_copia A cara do Louro José ao ouvir tamanha demonstração de sapiência!

Seu Zé não se conteve. Estava assistindo à TV ontem – estreia da nova programação global e tal – quando a loura que domina as nossas manhãs televisivas – foi-se o tempo da Xuxa – proferiu uma pérola que entrará para os anais da televisão brasileira. Ao apreciar a beleza que envolve a nova casa que lhe serve de cenário para que todos os dias possa nos apresentar as mais variadas receitas, a apresentadora Ana Maria Braga proferiu, ao vivo e em rede nacional:

"Olha só a vista que eu tenho da floresta amazônica!" – exclamou a apresentadora sem pudor algum.

Tomado por súbito espanto, Seu Zé, correu ao telefone para me ligar e perguntar se ouvira corretamente, ou ainda, que seus livros de geografia, pelos quais estudara com tanto afinco alguns (muitos) anos atrás estavam errados, assim como aqueles encomendados pelo governo do Estado de São Paulo, em que havia dois Paraguais e nenhum Equador no mapa. Como poderia ser possível o PROJAC em meio à Floresta Amazônica?!?

Só se conteve após – veja que ironia – a apresentadora ser corrigida pelo Louro José – seu quase xará –, que afirmou tratar-se da Mata Atlântica. Aí sim pode respirar aliviado. Mas veja só, que nonsense a situação que se expunha diante de seus olhos: uma apresentadora de TV – veículo de comunicação que alcança praticamente todo o terrítório do país, o que só é possível graças à outorga estatal –, prestando esse desserviço à população brasileira, e sendo corrigida por um papagaio! Viva a sabedoria da fauna brasileira!

P.S.: Isso que dá querer fazer supletivo em escola pública de São Paulo…

domingo, 12 de abril de 2009

Começo do fim…

família_osgemeos

Acordei cego. Abri os olhos hoje, ao acordar, e não vi nada. Um breu completo. Fui tomado por um medo súbito, e uma aflição: o que significava isso? Seria essa uma condição permanente, ou apenas um mal temporário? Apesar do desespero em que me encontro, rogo a Deus para que não seja um castigo divino – Ele castiga os seus? – e que tudo volte ao normal.

Grito por socorro, mas ninguém vem a mim. Não há ninguém na casa que possa me acudir nesse momento de angústia, de modo que me resta apenas erguer-me da cama, e tateando pelo cômodo, entre as lembranças que eu tinha das coisas que ali se encontram, procurar alguém que possa me ajudar.

Nesse momento, levanto-me, e com uma das mãos na cama, e a outra na cômoda lateral, vou observando com a ponta dos dedos o que me cerca, tentando lembrar como eram as coisas, onde estavam e do que deveria me desviar, para não ferir-me.

Teria sido mais fácil se tivera dormido em meu próprio quarto. Mas ontem, depois de alguns anos, retornei à casa dos meus pais, que fora minha também durante muito tempo. Fui fazer uma visita, daquelas burocráticas, sabe?, que se faz umas poucas vezes ao ano, em períodos como esse da Páscoa, ou quem sabe no Natal também. Após tanto tempo, aquele quarto que um dia tinha sido meu mantem-se intocável, com a minha cama, minhas fotos, meus armários – agora vazios – e minha juventude.

Após uma tarde em família, cercado por pessoas que hoje me parecem tão distantes, fui ficando, enquanto todos os outros se dirigiam às suas casas. Apesar do incômodo que me abraçava por todo o tempo em que estive na casa, mais forte era a sensação de familiaridade, de que aquilo, de certo modo, me pertencia também – talvez por isso, não tenha ido junto com o tio Jonas, quando este me ofereceu carona. Mas, na verdade, deveria ter-me ido embora, só que a essa hora já era tarde: a chuva repentina que caiu do lado de fora da casa me impediu; pingos grossos, que chegavam a fazer um estridente barulho na calha e vento forte, que uivou à minha janela por toda a noite. Meus pais prontamente ofereceram-me aquele que fora meu quarto um dia, insistindo que eu deveria ficar, que não me atrevesse a ir embora com uma chuva daquela.

Pois bem, a insistência dos meus pais e o mundo que desabava sobre nossas cabeças – como se, tal qual os gauleses, devêssemos ainda hoje temer algo do tipo – do lado de fora foram suficientes para que eu revisse meus planos, e passasse uma noite lá – algo que há muitos anos não fazia. No meu quarto, lembranças que há muito quis reprimir, permaneciam intocáveis, e a noite me parecia mais longa do que o normal.

Não sei ao certo quando isso se deu, só sei que em algum momento de minha adolescência havia me cansado; tive que sair de casa para poder me reconhecer, me perceber. Éramos tão unidos, estávamos sempre tão juntos, que não mais me reconhecia como indivíduo – precisava sair desse ambiente, me encontrar.

A oportunidade se fez quando passei para a universidade, em outra cidade, onde agora trilharia meus próprios caminhos. Saí de casa sem dor, sem remorso algum, procurando me achar, numa busca até então em permanente inconstância. Agora, cá estava eu, derrubando fotos de meu passado – da minha primeira comunhão, a qual reconheci por causa da moldura, que eu mesmo escolhi quando era criança, mas só tempos depois percebi o quão feia era. Assim como aquele meu carrinho, lá na estante, um dos primeiros brinquedos do qual tenho quaisquer lembranças. Ganhei muitos outros depois; de fricção, controle remoto etc, mas aquele sempre fora o meu favorito.

Estudei, me formei e hoje trabalho e vivo um pouco longe daqui, dessa casa e dessas lembranças. Em todo esse tempo, nunca me fizeram falta; pelo menos assim imaginava. Neste momento todas elas me cercam, e eu, que tanto fiz para esquecê-las, nunca fui delas tão dependente quanto agora.

Com a ponta dos dedos vou vendo e reconhecendo tudo aquilo que deixei pra trás, e percebendo o quanto isso é, de fato, importante pra mim. Com o tato, vejo minha infância, meus machucados, meus brinquedos, meus amigos da rua, minha adolescência, o primeiro beijo, a primeira namorada, o primeiro show e muitas outras primeiras coisas que a gente só vive nessa época.

De repente, chego à porta, alcanço a escada, e dali ouço o ronco do velho automóvel dos meus pais. Ouço também o tilintar das chaves, ao abrir a porta, e meus velhos me cumprimentarem e dizerem, ao entrar, e me ver no vão da escada, quase que em uníssono: “Te amo! Feliz Páscoa!”

Nesse momento minha visão clareia, e posso agora ver com perfeição todas aquelas memórias que me rodeiam.

E, mais do que nunca, tenho certeza que minha busca chegou ao fim.

 Ouvindo Primeiro Andar, dos Los Hermanos.

  Los Hermanos - Primeiro Andar

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Faroeste urbano…

clint eastwood em

Per un Pugno de cioccolato

Estávamos todos numa sala de um agradável apartamento no bairro carioca do Flamengo – belo nome, diga-se de passagem –, silenciosamente dispostos ao redor daqueles objetos. Objetos estes dos mais diversos invólucros, cores e tamanhos, alvos da cobiça de todos os presentes. Todos se entreolhavam, tal qual um daqueles spaghetti westerns, clássicos protagonizados principalmente por Clint Eastwood, entre outros. A essa altura já se podia ouvir com perfeição aquela trilha sonora clássica de Enio Morricone, que se sobrepunha à MPB FM sintonizada no rádio, ainda que apenas em nossas cabeças. Na parede, apenas um quadro, que reproduzia o pôster de “Cinema Paradiso” – sei que não tem nada a ver, mas tinha que comentar, porque acho esse filme sensacional.

Enquanto a tensão se elevava no ambiente, todos esperavam pela sua vez: frágeis papeis picados indicavam os nomes que aleatoriamente decidiriam a sorte daqueles objetos. O primeiro, ou melhor, a primeira deles se levanta e escolhe um dos objetos, retira-lhe a embalagem e revela a todos o seu conteúdo: um toblerone, um alpino, duas caixas de bis, um kinder ovo, e alguma outra coisa que não me recordo agora.

- Impossível! Isso daí com certeza custou mais de quinze reais! – era o pensamento corrente naquela sala nesse momento. E por ter a certeza disso, todos o desejavam.

Explico: tratava-se pois, de um amigo oculto. Mas não um amigo oculto qualquer, mas de chocolate. Vou além: não apenas um amigo oculto de chocolate, mas daqueles de roubar. Nessas ocasiões tudo torna-se pessoal; discussões são iniciadas, amizades são rompidas, tudo em nome da ganância provocada pelo chocolate.

Assim correu a noite, entre risos e abraços que não eram ainda assim capazes de diminuir a tensão provocada pela vontade de buscar o melhor presente. E, alheia a tudo isso havia lá uma caixa de sapato: simples, sem graça, e ainda por cima envolta com um papel prateado, que insistia em descolar conforme as horas passavam. E o pior, fora trazida por alguém muito suspeito em se tratando de esolher presentes em amigo oculto – pra se ter uma ideia, houve uma vez em que o mesmo indivíduo trouxera, para o Natal, um “resta 1” de plástico. Quase voltou com o presente.

Acontece que, entre uns nomes e outros, entre o fim de uma amizade e outra, acabei perdendo claríssimas chances de levar pra casa excelentes presentes, que me foram roubados no último minuto. E lá estava a caixa, que ninguém queria sequer saber do que se tratava, até que por conta do destino, e dos roubos, veio parar no meu colo. E qual não foi a surpresa de todos ao saber que a caixa, antes desprezada, continha inúmeros bombons, em quantidade em muito superior a qualquer outro presente daquele amigo oculto!

Admito que roubei também, mas apenas porque já tinha sido roubado diversas vezes, e não queria sair no prejuízo. No fim das contas, eu, que havia sido o mais roubado da noite até então, acabei levando pra casa o patinho feio, que minutos antes tinha se revelado o mais belo cisne de páscoa da noite.

Quanto às amizades, não obstante o chocolate desperte os mais primitivos desejos – como bem disse Roberto Jeferson, alguém ainda lembra dele? – no coração de uma pessoa, no fim da noite não havia mais mágoa alguma, e todos – ou quase – voltaram para suas casas devidamente satisfeitos.

domingo, 5 de abril de 2009

Caminho das Flores

 

Estou na estrada, em direção a Teresópolis.Uma turma de amigos no carro conversando, atentos a opinião da psicóloga. Ela diz que não há perversão feminina; alguma teoria da área poderia explicar isso. Eu reluto, apresento fatos como a mulher que espanca a empregada e seu filho e não se arrepende. Ela defende sua tese. Sua tese não, mas de nomes renomados da psicologia - seria Freud ou Lacan? Chegamos no sítio e minha namorada aponta com o dedo para o que seria definido como “cartão de boas vindas”. A Natureza sorriu para mim.

flor 4

Sentado no sofá, o pai do dono da casa deixa cair, sem querer, o caderno de economia nos meus pés. Pego o jornal e vejo que o presidente Lula é o mais novo “cara” do pedaço. Obama chega a elogiar sua beleza. Fico pensando se isso seria uma estratégia de marketing do presidente norte-americano, que mostrou no último ano dominar este assunto. Humildade? Modéstia? Então, nosso presidente é o popular da vez e ninguém me avisou isso. Olho pro lado e a natureza ri para mim.

flor 2

Após o almoço, meu telefone toca. É minha mãe do outro lado da linha. Pois é, já sente saudades. Ela pergunta como fui de viagem, como o pessoal chegou, se comi bem... essas coisas de mãe. Para não alongar a conversa, digo que está tudo bem – o pessoal me espera na mesa para mais uma piada a ser contada. Ela diz um “eu te amo” e eu respondo rapidamente “também”. Desligo o telefone e percebo que poderia ter sido mais amoroso e atencioso com ela. Enquanto o pessoal me chama para mais uma piada, a natureza sorri.

flor 3

Andando pelo sítio, encontro a mãe do meu amigo em meio as flores. Elogio sobre o sítio, um lugar aconchegante e tranqüilo. A piscina, as poucas galinhas, os pés de laranja, limão, acerola e goiaba. Tudo é maravilhoso. Ela agradece e me faz uma pergunta simples: Agora que você percebeu tudo isso, você consegue sentir que a natureza está sorrindo para você?

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