Ao invés, podia chamar-se assim. À margem do cinema nacional talvez. Mas isso explico depois, em um momento mais apropriado. Deixo isso pra depois porque naquele momento por meio do qual pretendo começar esse texto só me vinha à cabeça a barra de chocolate que trazia em minha mochila, e que comprara minutos antes na loja que tem ali por perto. Era uma barra daquele chocolate alpino, que comprei pra comer enquanto assistia ao filme. Prefiro isso à pipoca. Na verdade, contrariando o senso comum, não vejo muita graça em pipoca no cinema. A verdade é que elas costumam ser muito gordurosas, o que me deixa com vontade de sair no meio do filme pra lavar as mãos. E quando elas são pequenas, acabam antes de sequer os traileres começarem; mas quando são grandes, antes da metade já estão frias e murchas, e você é obrigado a enfiá-las goela abaixo – ou encarar sua consciência por ter desperdiçado tanta comida. E, a bem da verdade, em quase todos os cinemas hoje em dia, a pipoca pequena é do tamanho de um balde, daqueles que a gente usa pra lavar o banheiro.
Mas admito que a barra de chocolate, assim como uma provável pipoca, não foi muito além do trailer não. Mas ainda assim, prefiro aquela a esta. Mas não fiz esse texto para divagar a respeito da pipoca e do chocolate. A questão é que, por mais que eu tivesse vontade de ver “À Deriva”, me dirigi ao cinema um tanto quanto sem grandes expectativas. Estava mais interessado no chocolate, admito. Mas admito também que me surpreendi com o resultado do que vi na tela.
O filme é dirigido por Heitor Dhalia, o mesmo cara que dirigiu “O Cheiro do Ralo”. E mesmo com uma carreira cinematográfica tão curta – além desses, ele também dirigiu “Nina”, inspirado em “Crime e Castigo” de Dostoiévsky –, o cara já conseguiu incluir dois filmes na minha lista dos dez melhores – tá bom, não sei se é pra tanto, até porque nunca parei pra fazer uma lista, mas gosto muito desses dois filmes.
“À Deriva” é de uma sensibilidade ímpar ao tratar de questões extremamente delicadas, e especialmente caras à adolescência, como o descobrimento da sexualidade, a relação com os pais etc, do ponto de vista de uma filha mais velha entre três. A história se passa toda durante o verão em algum lugar muito paradisíaco perdido no Brasil, em que a filha em questão, Filipa, começa a namorar, descobre que o pai trai a mãe, e daí começa a questionar as coisas.
Não pretendo contar muito pra não estragar o filme. Mas a verdade é que tudo casa perfeitamente na tela – ainda que seja a deficitária tela do cinema da Uff –, desde a fotografia – perfeita – à trilha sonora, ou ainda o clima estiloso e ointentista que o filme tem – pois é, ele consegue ser as duas coisas. Tem ainda o fato de que uma das filhas – a do meio, que não lembro o nome – tem mania de fotografar tudo no filme. E as fotos são mostradas durante os créditos, o que te deixa com vontade de permanecer por lá até o final, só pra ver as imagens.
No começo disse que o filme seria melhor não à deriva, mas à margem porque é um tipo de filme que não se vê muito no Brasil. Críticas à parte, acostumamo-nos a ver recentemente filmes um pouco mais pesados, com aquela realidade crua, “capitães nascimento” e afins. Acabamos deixando esse lirismo um pouco de lado: um filme que se passa não-sei-aonde, com sequências de imagens belíssimas, trilha perfeita, que lembra daqueles filmes franceses recentes em alguns momentos.
Não tenho mais que dizer, apenas assista. Não se arrependerá. É um filme à margem, mas não no mau sentido que usulmente costuma se empregar, mas no sentido positivo, como algo a se apontar, para fugir do mesmo de vez em quando.