quinta-feira, 19 de março de 2009

Alguma coisa está fora da ordem…

pombo estátuaO mundo está ao contrário e ninguém reparou… 

O julgamento esta semana do “monstro de Amstetten”, como ficou conhecido Joseph Fritzl, sueco que manteve presos em cativeiro sua filha Elizabeth por 24 anos, e seus três mezzo netos, mezzo filhos por todo o período de existência dos mesmos, trouxe esse assunto de volta depois de um tempo sem quaisquer notícias relacionadas.

Vejo hoje que ele já foi condenado à prisão perpétua, pelo crime de homícidio culposo de um dos seus sete “filhos-netos”, que nasceu com problemas de saúde, mas não teve o devido socorro de sua parte, que era o único que naquela situação poderia fazer algo, além dos crimes de estupro, incesto, coação e sequestro, e terá que cumprir sua pena em instituição psiquiátrica.

Para quem não esteve no planeta nos últimos meses, trata-se, pois, de uma das histórias de sequestro, cativeiro e afins mais chocantes de que se tem notícia, se não a mais – não sei afirmar com certeza, pois não sou especialista em sequestros famosos na história, mas acho que deve ser. Digo isso porque o cara construiu um bunker que o protegeria até de invasões alienígenas, se fosse o caso. Mas não era: com o pretexto de que contruía um escritório para uso particular ou coisa parecida, ele fez uma casa embaixo da casa onde morava – com os pais e a esposa! Tudo isso sem que ninguém suspeitasse.

A frieza com a qual esse homem conduziu toda essa situação, somado ao modo como as demais pessoas diretamente envolvidas se conformavam com todos esses acontecimentos, é algo extremamente difícil de se entender, principalmente para aqueles que como nós temos essa herança latina nas veias. Como a esposa desse homem, mãe da Elizabeth, nunca suspeitou de nada? Quando ela foi sequestrada, o pai simplesmente lhe disse que a filha havia indo embora com uma seita, como faziam os hippies na década de 70, ou como se ela tivesse se tornado uma amish – se vivesse nos EUA seria até possível –, ou coisa parecida. Ele inclusive, chegou a registrar o desaparecimento da filha na polícia.

Além disso, tem-se ainda o fato de que três dos sete filhos os quais Elizabeth deu à luz enquanto esteve no cativeiro foram criados na superfície, tendo sido deixados na porta da casa de Joseph, junto a cartas forjadas, na qual a filha alegava não poder criá-los onde se encontrava. Ninguém teve nenhuma suspeita, por mínima que fosse? Três crianças deixadas na porta? Nenhum assistente social suspeitou de nada?

Como disse acima, talvez para sociedades como a nossa, tão acostumadas ao calor de um abraço, e não à frieza de um aperto de mão, situações como essa sejam um tanto quanto incompreensíveis. Por mais perfeitos que tenham sido os atos praticados pelo Joseph Fritzl, se fosse em uma situação análoga aqui no Brasil, já haveria suspeita por todos os lados. As pessoas perguntariam, a esposa buscaria alguma notícia, além de querer saber por que cargas d’água o marido passava tanto tempo nesse porão que ela sequer conhecia.

Para muitos, esse espírito latino, essa coisa de tocar, abraçar, querer saber dos outros, tão presente em nossa sociedade é visto como um atraso; os países mais desenvolvidos só são assim porque há uma prevalência do indivíduo sobre o social, isso em todas as esferas. São, em geral, mais frios em suas relações, onde o que o que impera é a impessoalidade, de modo que, quando situações como essa vêm à tona, há um choque geral e todos ficam pensando em o que poderiam ter feito para evitar tais tragédias. É o mesmo que ocorre nesses massacres estudantis, que a gente já se acostumou a ver com certa frequência nos noticiários – outro dia mesmo houve um destes. O modus operandi desses jovens é sempre o mesmo – sair atirando a esmo, tal qual nos filmes de ação ou nos clipes das bandas que cultuam  –, assim como o padrão comportamental se repete: normalmente os nerds da turma, que foram zoados a vida inteira, de poucos amigos e de muitos ressentimentos – talvez só precisassem de uma terapia, ou de alguém mesmo pra conversar. Mas na pressa desse mundo individualista, seus pais não tinham tempo pra perceber isso, assim como não havia amigos que os pudessem escutá-los. Não estou eximindo essas pessoas de culpa, mas apenas afirmando que elas são produtos dessa sociedade fria e impessoal que nós estamos nos acostumando a entender como padrão. Assim como o Fritzl só pode fazer o que fez porque teve a complacência e a distância do seu meio social.

Dá ainda para traçar aí um paralelo até mesmo com a questão do Sean Goldman, garoto que teve a guarda requerida pelo pai biológico, David Goldman, na justiça brasileira, após a morte da mãe, brasileira, que o trouxe consigo para o Brasil já há cinco anos. Agora que a criança ficou sem a mãe, o pai transformou a luta pela guarda em um verdadeiro circo, criando inclusive um site onde vende produtos com o rosto da criança para angariar fundos para custear o processo judicial (www.bringseanhome.org) e aparecendo em programas de TV como o da Oprah, ou sei lá o quê.

Ele se apoia no fato de que, pela lei norteamericana, o garoto deveria estar com o pai biológico. Mas em cinco anos, o mesmo não fez qualquer esforço no sentido de aproximação do menino. Agora, que ele já tem muitas de suas bases afetivas estabelecidas, o pai pretende simplesmente extirpá-lo do meio onde vive. Não é questão de se dizer que está certo ou errado, afinal ele é pai – e os direitos decorrentes da paternidade não prescrevem –, mas de se procurar saber se a letra fria da lei de fato aplica-se incondicionalmente a tal caso.

Sei que dei uma viagem imensa aqui, abordando assuntos aparentemente tão diversos, mas que no fundo têm uma mesma origem. Não se trata aqui de pensar, como num regresso ao infinito, que essas pessoas citadas acima não têm culpa no que fizeram, ou que o pai tem ou não direito à guarda do filho, e afirmar que na verdade é tudo culpa da sociedade. Trata-se, sim, de admitir que, como no título, e na canção, alguma coisa está fora da ordem, e que nós latinos, tão afetos à pessoalidade e abraçadores de gente, não estamos tão na contramão assim.

Esses assuntos ficaram na minha cabeça essa semana, e esse link que eu fiz entre todos eles só foi possível graças a um grande amigo, e ao que ele me disse essa semana. Foi aí que me liguei que a essas pessoas só faltava um abraço, e poder dizer, despretensiosamente “amo-te” uns aos outros ou coisa parecida.

2 comentários:

  1. Perante esses 2 casos eu tenho dúvidas...O primeiro, absurdo, me intriga a mãe não ter reparado nada estranho dentro da sua própria casa...muito estranho.E o segundo, é difícil formar uma opinião só com o que a mídia expõe...mas é fato que o pessoal lá de fora precisa de um abraço! Somos um dos poucos países no mundo a ter uma humanidade tão grande!Viva a nós!

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  2. eu me lembro de quando eu era criança e ouvia algumas pessoas falando que os homens na italia se cumprimentavam se beijando, eu pensava ÉCATI!! mas hj vejo o quanto o contato com meus amigos e os abraços e beijos nestes formam um caráter mais abrasador, mais latino(como no post) mais acolhedor.... sim ACOLHEDOR esta era a palavra, se no brasil existe uma carencia muito grande de pão e água semelhante a qualquer outro país de terceiro mundo, nos países de primeiro mundo a carência é bem mais absurda, porém de material muito mais facil de ser distribuido AFETO.

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