sábado, 17 de janeiro de 2009

Ferry-boat



Ele bem que tentou; pôs a língua pra fora de tanto que correu, mas não conseguiu chegar a tempo. Quando apontou na bilheteria, já se ia baía adentro aquela última barca do modelo novo, aquela que faz a viagem em dez minutos ou algo parecido. Agora o relógio, pendurado na estação, pendurado no seu braço, já indicava que eram nove horas e trinta e dois minutos. Isso mesmo, perdera a barca por míseros dois minutos. Restava-lhe esperar até dez da noite, quando sairia outra barca, mas desta vez aquela velha, grande e, principalmente, lenta. Muito lenta.

De fato, grande e lenta, mas “em condições normais de temperatura e pressão” – costumava dizer –, preferia essa barca velha mesmo. Isso porque para ele ela conservava um charme a mais, que as novas não têm; e nem se permitem ter, já que é tudo tão frio e rápido nessas novas barcas, que não há como. Mas a questão é que, ao fim do dia, quando todo seu corpo grita por descanso, esperando encontrar o mais rápido possível o conforto de uma cama, não há charme que resista.
 
Pra ele agora resta esperar quase meia hora pra saída da próxima barca, naquela estação ali da Praça XV. Pois é, agora já por volta de nove horas e trinta e quatro minutos, não havia mais nada a fazer. A banca que há por ali já está fechada, assim como as lanchonetes.
 
- Não dá nem pra ver as notícias do dia, ainda que já estejam meio passadas – pensa – E com a fome que eu tô... mas tudo bem, preciso emagrecer um pouco mesmo. Cuidar do coração.
 
“Cuidar do coração”. Ficara com isso na cabeça desde que seu médico lhe disse que, com o histórico da família, deveria preocupar-se mais com a alimentação. Comia muita besteira, praticava poucos exercícios. Tinha sorte por não ter “tendência a engordar”, como dizem as suas tias, mas isso não quer dizer que estivesse exatamente saudável. Por isso mesmo pensava em começar a freqüentar uma academia, mas tinha certo receio, pela falta de tempo. Na verdade, tempo até lhe havia, mas imaginava que poderia ser mais bem usado, em outras situações, que não malhar. Deslocar-se até a academia, malhar, beber um gole d’água, talvez até comprar uma garrafa d’água, ou de um gatorade qualquer, depois voltar pra casa, talvez até ter que enfrentar um pequeno engarrafamento, dependendo da hora: tudo isso lhe tomaria um tempo precioso, e provavelmente não o quisesse dispor com isso, mas sim com coisas mais interessantes. Talvez, analisando bem, toda essa reticência em gastar seu tempo seja o motivo pelo qual ele na verdade não faz nada. E depois remói-se em culpa pensando no que poderia ter feito e não fez.
 
Por isso mesmo, preocupava-se tanto em não desperdiçar o seu tempo com pequenices que não via que o mesmo esvaía-se por entre seus dedos. O mesmo tempo que agora insistia em não correr. Nove e quarenta e cinco. Restava muito tempo para ele dedicar ao ócio e à espera por aquela barca lenta, onde esperaria ainda mais.
 
As pessoas que trabalham ali pelo centro do Rio, já resignadas em não conseguir alcançar a barca das nove e meia, chegam por lá mais calmas, menos esbaforidas que ele. Compram seus bilhetes, enfrentam até uma pequena fila. Não sentem tanto incômodo com o tempo perdido, não tanto quanto ele.
 
Agora as portas de vidro se abrem e pelo menos ele já pode esperar dentro da barca. Ainda faltam dez minutos, mas o fato de poder entrar, escolher um lugar – perto da janela, mais ou menos no meio do segundo andar, pois ele acha que se afundar é mais fácil de escapar – e acomodar-se já causa uma sensação de alívio por poder escapar da inércia provocada pela espera.
 
Senta-se e observa as luzes do centro do Rio; observa as pessoas, que como ele, procuram o lugar que melhor lhes apetece. De repente, a barca já se encontra meio cheia, e pronta pra sair. Neste momento já soou o primeiro apito.
 
Nesse momento ele a vê subir pela escada da barca. Simplesmente ela. Sente suas mãos suarem e aquele frio percorre seu estômago. Ele a vê sentar em uma cadeira lá na frente, sem notar sua presença. Pensa se deveria andar até lá, sentar ao lado dela, falar-lhe qualquer coisa.
 
- Melhor não, talvez haja uma outra oportunidade. Afinal, falar o quê?
 
Então ele lembra de todas as oportunidades perdidas. Lembra-se também do conselho de seu médico – suas palavras nunca lhe soaram tão imponentes. Levanta-se, senta ao lado dela, e trata de “cuidar do coração”.

4 comentários:

  1. Sensacional o texto. Suave e poético, o que mais me atrai. É do meu irmão??
    Orgulhos demais!!
    beijos

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  2. Adorei...perfeito! Meu melhor interlocutor, você me surpreende até hoje! Irmã.

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  3. coisas casuais que fazem a vida valer a pena
    muito bacana!
    bj

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  4. Venha provar meu brunch
    Saiba que eu tenho aproach
    Na hora do rush
    Eu ando de ferry-boat

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