sábado, 24 de janeiro de 2009



Tinha apenas uma edição velha de um livro de poesias em cima da mesa – agora ainda mais velha, com o novo acordo ortográfico. Mas isso pouco lhe importava, “a obra em si está acima disso”, pensa. Mas nessa hora não queria ler; não parava de pensar na vida ao seu redor. O café que tinha pedido havia algum tempo já estava frio, mas é que ela era assim: quando se danava a pensar em algo, se perdia em seus pensamentos, não via a hora passar. Perdia o olhar em algum lugar da rua, ali pelo Leblon, que tem aquela vista que quase arromba a retina de quem a vê, observando as pessoas caminhando, as mães com seus carrinhos de bebê, as pessoas voltando da praia, as vitrines os vendo passar, como na canção do Chico – uma de suas preferidas.

Olhava as pessoas, imaginando que tipo de vida teriam, os rumos que seus destinos tomariam, vivendo suas vidas. Como, por exemplo, o que aconteceria se aquele encontro apaixonado daquele casal de desconhecidos que acabou de presenciar não tivesse se realizado, ou se aquele pai tivesse se atrasado ao buscar a filha no colégio, ou, ainda, se a vida daquelas pessoas do outro lado da calçada tivesse se cruzado naquele momento, com um mero esbarrão. Mas com o mundo do jeito que está hoje em dia, as pessoas não se permitem esbarrar-se; do contrário, esquivam-se a todo custo. Cada um com seu cada qual, e assim a gente vai levando, tal qual aquela outra canção.

“Vocês precisam desacelerar”, foi o que disse uma vez sua mãe, para ela e sua irmã, quando, ainda no arroubo da adolescência, começaram a sair todas as noites, chegar tarde, e também quando surgiram os primeiros namorados, deixando os pensamentos e atitudes pueris para trás. Foram alguns os seus rapazes, não muitos, mas nenhum realmente duradouro. Todos fugazes e vazios – talvez os esbarrões não tenham sido fortes o suficiente.

Pensa que, seguindo o conselho de sua mãe, deveria desacelerar um pouco. Ouvir mais um samba, cantar mais a vida. E viver menos a vida dos outros.

- Às vezes é tudo que as pessoas precisam para ter felicidade, um mero esbarrão – comenta com si mesma. Isso porque, por mais pessoas que houvesse ao redor, nenhuma delas a ouvia, apenas ela própria. Talvez seja ela quem precise de um esbarrão também, apenas para enfim encontrar a metade exilada dela mesma.

Mas, ainda assim, ela não deixa de viver a vida dos outros – talvez seja assim só porque ela faz cinema, naquele curso da UFF, o que, imagina, aflora sua criatividade. Só que, nisso de viver observando o alheio, não imaginava que um dia pudesse ter seus olhares correspondidos. Nessa mesma tarde, enquanto remexia o café frio com a colher, em uma mesa disposta sobre a calçada, sentia-se observada também. Outro alguém lia-lhe a vida, imaginava o que teria vivido até então, e o que haveria de viver no futuro.

Não sabia de onde vinha, apenas sentia; e sabia que não gostava. Deixou o café lá, pela metade, colocou e livro debaixo do braço e levantou-se, tentando esquivar-se desses olhares. Caminhou apressada pela calçada, entrou em uma galeria, até que esbarrou em alguém: era aquele que lhe detia o olhar desde o começo, e agora, junto dela, catava-lhe as suas poesias entornadas no chão.

Hoje é dia de tirar a poeira daquele disco do seu pai, do cd da sua prateleira ou do mp3 do seu computador. Ouvindo As Vitrines, de Chico Buarque.

Um comentário:

  1. Você escreve muito bem Renan! Não sei de onde tira tanta inspiração!! Hoje foi da música né?
    hehe Parabéns!
    Beijos,Polyana

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